CONVERSAS PSICOLÓGICAS

Psicologia, indivíduo e sociedade

O desenvolvimento pessoal é hoje um conceito chave na manutenção da vida humana. Já escrevi em outras postagens sobre o reconhecimento dos limites pessoais, sobre o processo de mudança, sobre o sentimento de estar em evolução. Todos esses conceitos estão atrelados ao desenvolvimento pessoal.

Sobre o desenvolvimento pessoal

O conceito de desenvolvimento pessoal engloba em si duas ideias de desenvolvimento: uma, como sujeito biológico psicológico, com as mudanças corporais e os processos de maturidade e senescência do corpo e da mente; outra, com o desenvolvimento da intelectualidade e a da base de conhecimento. O segundo é, necessariamente, fruto do primeiro, portanto os dois são inseparáveis apesar de no dia-a-dia acontecerem de forma estruturalmente diferente.

Ser uma pessoa melhor, ou fazer as coisas melhor, enfim, buscar aperfeiçoar-se frente aos desafios morais e práticos do mundo é uma herança greco-romana encampada pelo cristianismo e trazida até os dias atuais cercada de muitas transformações. O que para Platão ou Sócrates era uma busca pela perfeição ou por ser um Atenienese melhor para a Polis, passou para os tempos atuais, a ser uma relação entre aquisição técnica, diplomas e comportamento moral.

Read here in English!!

Assim sendo, o desenvolvimento intelectual do conhecimento pessoal passou a ser formalizado como algo fundamental ou importante no ocidente, a partir da cultura greco-romana. Como fruto desse processo que já tem seus 2500 anos, temos o presente onde vivemos e as transformações operadas pela humanidade no mundo que nos cerca.

No tempo contemporâneo, não adianta só ser bom no que se faz, é preciso ter certificações que garantam e assegurem a qualidade de suas capacidades. Por outro lado, de nada adianta tudo isso se ninguém sabe dessas capacidades certificadas. Assim, comunicar é preciso.

As redes sociais se transformaram em ferramentas poderosas para essa comunicação das capacidades individuais no espaço coletivo. Mas, por outro lado, elas são poluídas por um marketing pessoal ruim, confuso e oportunista. Essa equação de três pilares (qualidade, certificação e comunicação), bastante psicótica, que garante a veracidade das capacidades do indivíduo que versa suas qualidades e serviços, por outro lado, abre brechas poderosas para a mentira e falsidade. Assim, nas redes sociais, a imagem da água pura pode na verdade ser óleo bem maquiado.

Mas, essa não é a questão dessa postagem.

A biologia do processo

Então, temos de um lado o desenvolvimento da intelectualidade e da base de conhecimento pessoal sobre o mundo. Por outro lado, temo o corpo biológico que dá a base, a sustentação aonde esse conhecimento pode ser adquirido, processado, armazenado e expressado. O cérebro, conectado a todos os outros sistemas de sustentação da vida biológica, coordena com ferramentas biológicas todo o processo de desenvolvimento.

Essas ferramentas são produtos bioquímicos produzidos estruturas corporais, por células, glândulas, órgãos, etc. São hormônios, neurotransmissores e proteínas produzidas a partir de determinados padrões químicos que podem ser codificados e decodificados como comunicação entre as células e sistemas corporais. Esse sistema de comunicação moldou-se ao longo da evolução da vida e da espécie. E está registrado como um processo de memória muito mais complexo e antigo.

Temos como herança da evolução da vida um arquivo genético. Esse arquivo nos proporciona determinados talentos e determinados limites trazidos pela nossa herança genética, da seleção natural/cultural sofrida por nossos ancestrais. São potenciais e fraquezas que foram sendo selecionados por padrões de sobrevivência e extinção pelos ambientes naturais (até uns 5 mil anos atrás) e por ambientes culturais (desde uns 5 mil anos atrás). Afinal, o homem venceu a natureza e a substituiu pela cultura.

Mas, essa carga genética, por si só não faz verão. Ela, sozinha não determina a atuação do indivíduo no ambiente. A interação da informação genética com o ambiente sócio cultural, determinarão como se constitui esse sujeito. A ausência ou presença de estímulos exige do patrimônio genético sua manifestação na realidade de maneiras distintas.

Na verdade, o patrimônio genético é, literalmente, apenas um arquivo completo com todo o funcionamento e constituição do sistema biológico. Esse arquivo fica guardado no núcleo de cada uma das células do corpo. Está lá para ser consultado pelos demais componentes celulares sempre que um estímulo chega para aquela célula. Sendo assim, ele não atua e não se manifesta diretamente, apenas é consultado constantemente ao longo do processo de vida de cada célula.

A consulta feita aos arquivos genéticos gera uma resposta que é uma proteína. Literalmente, copia-se um pedaço do arquivo genético como resposta à consulta feita. E é essa proteína quem interage com o ambiente. É ela quem determina a eficiência do indivíduo celular ou sistêmico.

Novos aprendizados evolutivos são armazenados no patrimônio genético para consultas futuras ou de próximas gerações. Assim, vencer mudanças ambientais drásticas, como a falta ou diminuição de oxigênio, pode exigir anos de treino ou gerações inteiras de adaptação. Virar um ginasta olímpico vai exigir muito anos de treino, começando na infância onde as adaptações ambientais são mais facilmente armazenadas. Aprender a ler e escrever, se o sistema funciona bem, levará um ano ou dois com um bom treino. Caminhar ereto levará um mês ou dois.

E esse é o primeiro e mais importante limitador no processo evolutivo: aquilo que biologicamente somos capazes de realizar. Sem oxigênio não há vida humana, sem comida a vida humana se extingue, isso é um fator biológico. Crianças sem refeições carregadas de carboidratos e proteínas tem dificuldades de crescer, aprender e desenvolver-se.

Assim, a base biológica precisa ser capaz de dar sustentação para o desenvolvimento pessoal. Veja, o desenvolvimento pessoal sempre ocorrerá, quando avaliamos individualmente, sempre há avanço, sempre há mudança na direção do crescimento. Quando usamos parâmetros coletivos e fazemos a comparação entre indivíduos, percebemos em áreas específicas, maiores capacidades em um e menores em outro. Mas, olhando para a linha do tempo individual, sempre há crescimento.

O biológico é feito para se desenvolver, mas nem por isso é menos complexo no início de sua jornada. Ele traz em sua forma inicial todo o potencial da plenitude que pode vir a atingir. A interação com o ambiente, então, é tão importante que, a informação genética presente no núcleo celular, protegida por uma capa proteica, para ser lida, precisa de um estímulo vindo do ambiente. Ou seja, para que a carga genética possa ser acessada, a interação com o ambiente é fundamental.

A biologia e o estímulo

Para que o potencial da plenitude possa vir a ser alcançado, é preciso estímulo.

Mas, segundo a ciência, a base fundamental da vida, os primeiros príons (ou peptídeos) que deram início a primeira manifestação da vida, permitiram lá atrás (7 bilhões de anos) a formação de um patrimônio genético primordial. Um primeiro DNA.

Nós, humanos, vivendo fora da natureza desde a Odisseia de Homero, vivendo no mundo da cultura e da linguagem, carregamos em nossa memória genética todo o processo de aprendizagem pelo qual a vida passou em toda a sua história evolutiva. Nós temos memória, mas não temos a lembrança, pois esse conteúdo gravado está fora do alcance da consciência.

São 7 bilhões de anos de experiências passadas hereditariamente e, sempre, a cada geração, acumulando mais conhecimento através do jogo de erro e acerto com os estímulos do ambiente. A extinção e a sobrevivência sendo o crivo da qualidade do conhecimento gerado.

Uma viagem mais longa

Podemos fazer uma extrapolação explosiva dessa ideia.

Segundo a teoria do Big Bang, toda a matéria presente no universo hoje, esteve presente desde o princípio. Ou seja, desde de a explosão inicial, nenhuma partícula desapareceu e nenhuma nova partícula se criou.

Assim, todos os prótons presentes na constituição dos átomos que compões as substâncias que compões o nosso corpo, estão presentes desde o início da jornada do universo. Acompanharam a partir de um determinado local (em movimento) todo o tempo do universo. Somos tão velhos quanto o universo e tão sábios quanto os nosso registros de DNA.

No oriente, a noção de desenvolvimento da mente e do espírito, levam a uma jornada de eliminação do Eu (ego, mente, identidade, crenças, sei lá o que) e o encontro com o nada. Esse encontro seria um retorno ao todo, um encontro com a totalidade do universo presente e em contato constante com a nossa existência.

No ocidente, fortalecemos o Eu, gritamos cada vez mais alto nossos títulos, times, bandeiras, posições políticas. Tomamos cada vez mais partido na direção de nossas lutas de identidade, de acordo com a imagens que temos ou que queremos projetar para o mundo da cultura. Nos desligamos cada vez mais do todo do universo para estarmos cada vez mais em nosso pequeno pedaço.

Somos feitos de poeira cósmica do início do universo, carregamos o conhecimento forjado pela vida ao longo de sua jornada. A partir do uso da linguagem, pudemos compor, construir um conjunto de memórias coletivas baseadas na comunicação entre indivíduos e geração. A partir da linguagem escrita, pudemos deixar esse conhecimento para a posteridade.

Mas, a percepção da grandiosidade dessa aventura nos escapa, sempre, todos os dias. Perdemos o brilhantismo dessa odisseia na confusão da resolução dos problemas mesquinhos do dia a dia. Claro, está certo, alguém precisa cozinhar, lavar a louça ou escrever para o blog.

Mas, sejamos orientalistas em busca do nada para chegar ao todo, ou sejamos ocidentalistas em busca de enriquecer e se projetar, a base, a raiz, é a mesma. Somos fruto de processos quase incompreensíveis e, em geral, chatos de explicar ou discutir. O brilhantismo do estado de existência, o esplendor do processo de desenvolvimento, não é o conhecimento para a prova, mas a percepção e o sentido claro da própria existência com parte da jornada fantástica da matéria e, posteriormente, da vida.

A jornada em função do amor

Perceber-se como parte da jornada e, principalmente, a percepção de que essa jornada traz como resultado contemporâneo a possibilidade do amor é o topo de qualquer desenvolvimento pessoal. A possibilidade de amar, a possibilidade de gerar consciente e voluntariamente a próxima geração, que carregará o legado do existir e do desenvolver e evoluir, e ter como principal forma de estímulo o amor, é algo que transcende o papo cabeça dessa postagem.

Calcule com um pequeno resumo o que eu quero dizer: um determinado próton e ejetado de um explosão tremenda. Por pelo menos 1 bilhão de anos vaga no vazio. De repente faz um aligação com outro próton e passa a formar um primeira substância. Nesse momento ele já se encontra em meio a uma nuvem de poeira cósmica. Faz outras ligações, compões outras substâncias. Ao longo de mais 4 bilhões de anos, esse próton forma substância que se decompões ou se dissolvem e voltam a formar outras substâncias.

Com 7 bilhões de anos, de repente, ligado à uma longa cadeia proteica que boia a esmo na água. Ele se compões e decompões com diversas proteínas por mais um bilhão de anos. Agora, ele já absorvido e devolvido ao ambiente na medida em que seres derivados das proteínas o ingerem com a substância que ele compõe, digerem e devolvem transformado ao ambiente.

Esse próton tá ai. Formando a membrana plasmática ou a bainha de mielina de algum neurônio, permitindo que você leia, respire, viva. Somos compostos por uma história muito maior, muito mais longa e muito mais incrível do que aquela que começa na nossa infância.

Se juntarmos a nossa saga pessoal à saga do universo, termos uma jornada simplesmente espetacular para viver e narrar. Mas, entender que o resultado de tudo que esse próton passou é a capacidade de amar, é a capacidade de alterar quimicamente o corpo a ponto de sentir o amor, isso é a coroação da jornada.

Amar a si mesmo, amar ao próximo, amar a existência (ou aos deuses se você quiser) é algo indescritível.

A psicologia das coisas

E aqui chegamos na psicologia! Um pouco de história e filosofia, um pouco de biologia e bioquímica e temos a base necessária para uma discussão psicológica.

O jogo de estímulo-resposta é um conceito básico no processo de evolução da vida e, mesmo em ambientes microscópicos e intracelulares, os estímulos são a base para o movimento e para a transformação. Ele constrói uma relação de condicionamento entre o indivíduo e o meio e, até entre o indivíduo e si mesmo.

No humano, capaz de pensar e gerar sentimentos a partir desses pensamentos, o próprio pensar pode ser um estímulo e o sentir, mais do que uma resposta, pode ser um poderoso reforçador. Mas, em geral, condicionamos, criamos regras para os sentimentos prazerosos. Criamos fechaduras baseadas em pressupostos que impedem e limitam o nosso acesso a esses sentimentos gostoso de serem experienciados.

Limitamos a alegria, o júbilo, o amor, confiança, limitamos através de regras condicionais. Esperamos que determinados estímulos específicos aconteçam no ambiente ou em nossa vida para que possamos nos deliciar com esses sentimentos. Criamos uma proibição um impedimento: “se eu passar no concurso, então poderei comemorar”.

Nem todos que vagam, vagam a esmo

Mas, você existe, a jornada é do caralho, isso por si só já é motivo para celebrar, para se regozijar com a vida. A evolução te preparou para sentir tudo isso sem precisar de condições específicas. O sistema evoluiu ao longo desse bilhões de anos e está pronto para ser usado. Está pronto para gargalhar. O que fazemos é criar a limitação, criar a condição: “só amarei se encontrar uma pessoa assim ou assada”, “só direi palavras agradáveis para o outro quando ele fizer o que e como eu quero”. Assim, escondemos a gargalhada.

Por fim, a flor mais bonita que poderia surgir nesse jardim, fica escondida atrás do latão de lixo das condições que são criadas. O amor, essa manifestação suprema da existência, fica condicionado a fatores que são estritamente mentais, externos e inflexíveis. Assim, ele não é sentido, não expressado e, tristemente para todos esses prótons que nesse momento do universo viajam em você, não são experimentados.

O universo traçou uma jornada incrível e a direção, apesar de fundamentalmente aleatória, acabou sendo o amor e, nós, o que fizemos? Criamos uma condição para que ele seja mantido reprimido. O júbilo? Criamos a condição da igreja para que ele só seja sentido pelos condicionados. A alegria? Condicionamos ao dinheiro e a festa, assim só bêbado e rico.

Assim, o desenvolvimento pessoal precisa ser uma busca específica, um reencontro, um processo de descondicionamento. Veja, não é de desconstrução de si mesmo. Mas, um processo de descomplicar a possibilidade do amor. Descomplicar a possibilidade do júbilo. Descomplicar a possibilidade da alegria.

Pense: amar, agradecer e sorrir. Esse é fruto do desenvolvimento do universo, da vida e das nossas jornadas.

Desenvolvimento é facilitar o acesso a esses resultados.

Raul de Freitas Buchi