CONVERSAS PSICOLÓGICAS

Psicologia, indivíduo e sociedade

A vida é um processo muito massa e viver é muito legal!!! Muitas vezes viver é inexplicável, mas sempre muito massa e muito legal!!!

A vida não é um processo estanque. Apesar de ter início, meio e fim, a vida é um processo contínuo, fluído e imprevisível (não sabemos quando será o fim da jornada).

Dividimos didaticamente a vida em: infância, puberdade, adolescência, fase adulta, e a fase de senescência. Mas, essas divisões são puramente teóricas, baseadas em algumas alterações hormonais e físicas do corpo humano, não geram marcações rígidas.

Na realidade, a vida é contínua, ininterrupta e fluida. Portanto, apesar de conseguirmos marcar um período médio aonde éramos adolescentes, aonde éramos crianças, aonde fomos adultos, não há um dia de início para cada fase. A vida não é compartimentada.

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Na prática da vida não há nem separação entre o profissional e o privado, entre infância e maturidade. Essas separações didáticas representam apenas as mudanças no repertório social que usamos em cada período do dia ou da vida.

Sendo que, a maioria das pessoas que acham que conseguem fazer essa divisão são pessoas que exatamente não dividem bem as coisas. Adultos que se acham adultos, são geralmente muito infantis, profissionais sérios, são grandes crianças que não podem ser contrariadas e que querem ser obedecidas prontamente (idiotas, lá de onde eu venho).

A vida, portanto, é mais um processo de passagem e transformação biológica do que uma superação de fases (não é um jogo). Se, não houvesse elementos culturais que forçam um desenvolvimento intelectual, social e cultural, haveria apenas mudanças físicas que não necessariamente representam um processo de evolução.

Com isso quero dizer que, sem os livros e a música, não haveria isso que costumamos chamar de desenvolvimento. Seríamos apenas macacos que vão ficando mais altos e mais fortes até começarem a ficar mais fracos e esquecidos até morrer.

A noção de que precisamos evoluir ou desenvolver ao longo da passagem da vida vem, de forma mais organizada, dos gregos e dos romanos. Antes deles, crescer era bater com mais força e caçar com mais habilidade.

Ou seja, com os gregos e romanos (no ocidente) é que o desenvolvimento da intelectualidade, que permite um melhor desenvolvimento de repertórios socioculturais e profissionais, passou a ser algo levado a sério por todos os participantes da comunidade (quase todos, os brutamontes continuam soltos por aí, associando-se aos idiotas de alguns parágrafos atrás e espalhando o mal).

Ser uma pessoa melhor para o mundo, ser uma pessoa de bem, que faz o bem, passou a integrar o desenvolvimento e a evolução individual a partir da união dos fundamentos cristãos com a filosofia grega e romana. Ou seja, crescer, como uma noção interna, ligada ao que chamamos hoje de personalidade, passou a ser algo realmente almejado por nós a partir do fim da era vitoriana, quando enfim, os cristãos perderam o medo de ler.

Para os gregos e romanos e para os cristãos da idade média, desenvolver-se, evoluir, era um processo de aquisição de repertórios técnico-profissionais: saber rezar, saber remar, saber fazer e construir, saber pensar sobre as batalhas, saber negociar. Mas, não necessariamente, ser uma pessoa melhor e de bem.

Nos períodos que antecederam a era vitoriana, esse desenvolvimento passou a ser um repertório de comportamentos que compreendia o técnico-profissional, mas também, o requinte de comportamentos nos ambientes sociais: a boa educação, a afabilidade e a cortesia. Esse processo culmina com a aquisição de uma educação sanitária no início do século XX.

Então, dizer bom dia e segurar a xícara direito, saber usar os diversos garfos na mesa, mas também saber trabalhar e urinar no lugar certo, mas ainda, nada com o “ser uma pessoa melhor no mundo”.

Ser uma pessoa melhor, ser uma pessoa de bem é uma coisa recente. Fazer o bem para o próximo é uma coisa recente. Olhar para o processo da própria vida e perguntar-se: “o que posso fazer nessa jornada da vida para que o outro possa viver bem e ser feliz?” é uma coisa muito recente.

Esse tipo de reflexão surge a partir do século XVIII com Kant e Schopenhauer se perguntando sobre a ética do sujeito. Ambos têm algum contato com as filosofias orientais, que, já desde os fundamentos do Hinduísmo, têm sobre a vida, uma visão de passagem.

Essa visão de passagem é tão forte que, na visão hindu, se delibera sobre a possibilidade de uma alma fixa que teria diversas passagens por diversas vidas. Nessas passagens seria necessário “evoluir” como pessoa, para que a próxima passagem seja mais prazerosa, mais evoluída. Evoluiria-se através das vidas!

Então, o cristianismo se apropria dessa ética do século XVIII, de não fazer ao próximo, aquilo que você não quer que seja feito para si (chamo isso de empatia mínima). O cristianismo se apropria da noção de reencarnação (que estava lá até o século III), junta as duas coisas, e funda o espiritismo. Uma religião baseada em ser uma pessoa melhor no mundo.

A noção básica do que é ser evoluído, do que é se desenvolver como pessoa, no espiritismo, é a caridade (o amor de Karitós, dos gregos), o amor que se tem pelas criaturas em estado ou existência inferior à sua. Portanto, aquilo que você pode fazer pelo próximo para que ele alcance o mesmo ponto evolutivo que você, nessa vida.

Claro, usam-se critérios muito específicos para a avaliação desse processo de evolução, para que se possa dizer que alguém evoluiu.

Ser uma pessoa melhor em Roma era ser um bom ditador para conduzir a cidade. Ser uma pessoa mais desenvolvida na idade média era ser alguém que abdicava de riqueza e do sexo para matar pessoas de outras religiões que moram longe. Ser uma pessoa melhor na era vitoriana era ser uma pessoa cortês. No mundo atual, a pessoa boa é ser aquela pessoa que tem um certo grau de abnegação de si para liderar os outros em uma busca por uma vida melhor.

Não estou falando de um “coaching”. Mas de alguém que tira tempo de sua esparsa existência para alimentar e motivar os outros a terem uma vida inspiradora.

Veja, também não estou falando de “influencers”. Estou falando de pessoas que largam suas vidas para cuidar daqueles que nesse momento estão desguarnecidos, ajudando-os a se fortalecerem.

Também não estou falando de jovens que se dirigem para a Indonésia e Tailândia para cuidar de elefantes. Estou falando de pessoas que tem, como objetivo pessoal, preparar outras pessoas para que tenham vidas melhores em paralelo com construir um mundo melhor para todos.

Veja que situação difícil, estou falando de professores, mas como ficou difícil separar as coisas. Mais especificamente, estou falando de professores de ensino fundamental. Essa dificuldade de identificar o que é uma pessoa que vive para o próximo mostra, como ao longo dos últimos anos, a visão de “fazer o bem” foi, também, transformada em ações de marketing.

Eu explico porque os professores do ensino fundamental, para mim, são os grandes evoluídos fazedores de evoluções.

A noção da vida como um processo, como uma passagem retoma a noção de eventos e acontecimentos. Os eventos e acontecimentos são as coisas que acontecem ao longo da vida. Esses acontecimentos vão se sucedendo em cadeia, sempre, mas sempre, muitos ao mesmo tempo. Não existe isso de “um problema de cada vez”.

Ao longo do processo de evolução da vida, vamos desenvolvendo habilidades, comportamentos dirigidos, para poder lidar com cada um e com todos os eventos e acontecimentos. Vamos formando um repertório para lidar com os eventos e acontecimentos.

E, nessa visão de que a passagem pela vida precisa culminar em uma evolução, estamos implicados em conseguir lidar com cada vez mais sucesso com esses eventos e acontecimentos. O critério básico dessa noção de sucesso é “o menor sofrimento”.

Esse sucesso é medido pelo quanto menos se perde o rumo dos objetivos pessoais frente ao enfrentamento dos eventos. Literalmente, dar conta dos acontecimentos da vida, sem desistir ou cair, ou caso se caia, conseguindo novamente, se reerguer.

Viver é difícil, já escrevi isso em outros posts. A vida é sofrimento, ou pelo menos é uma jornada na tentativa de evitar o sofrimento. São esses eventos que se encadeiam, que se acumulam e que se sucedem, são eles que vão precisar ser resolvidos para evitar o sofrimento.

Ser hábil, ter repertório de comportamentos, ter conhecimento e experiência para formar um bom repertório, por um lado facilita a jornada e por outro diminui a intensidade das consequências sempre negativas dos eventos.

Os acontecimentos e eventos são sempre negativos. Deixe que eu me explique: mesmo amar, tem como consequência experiências negativas, pois, se tudo der certo, uma das pessoas morre no fim da jornada e a outra fica sofre sozinha.

Todos os eventos são uma jornada em direção a senescência e, se tudo der certo, a incapacidade de gerir a vida por conta da velhice, demorará mais para chegar. Assim, mais eventos e acontecimentos estarão presentes na jornada da vida, pois se viverá mais.

Ou seja, quanto melhor o seu repertório, mais tempo você viverá, e, portanto, mais eventos e acontecimentos passarão na sua vida. Em última instância, quanto melhor você é, maior a quantidade de problemas que você resolve e, por mais tempo na vida você ficará resolvendo problemas. Então, os eventos e acontecimentos são sempre negativos, por mais prazeres que possam gerar.

Como humanos, conseguimos acumular conhecimento (experiências vividas, repertórios de sucesso) em livros e na internet. Conseguimos transformar esses repertórios em mitos, lendas e histórias, passando-os de pai para filho. Assim, conseguimos transmitir esse repertório dentro de nosso ambiente social. Conseguimos nos apropriar de repertórios vindos de outras culturas, transmitidos por vídeos, textos ou áudios, histórias…

Esses acúmulos de repertório, esse acúmulo de conhecimento, precisa de um repertório para ser acessado. Em geral, esse repertório de alcance consiste da boa compreensão da língua escrita e falada.

Então, quanto maior o repertório de linguagem, maior a probabilidade de sucesso na aquisição de repertório desenvolvidos por outros. Em outras palavras, quando melhor você lê, melhor você pode estudar e aprender com a experiência alheia, e provavelmente, melhor você vai lidar com seus problemas.

Bom, juntamos aqui, a noção de uma vida passageira, continua e não estanque com a noção de um processo de evoluir para ser uma pessoa melhor para o mundo, com a noção de que é preciso evoluir resolvendo os acontecimentos da própria vida. Mas, por fim, vemos que quanto mais se lê e estuda, teoricamente, mais apto se está para essa jornada, por poder antecipar conhecimento para se resolver a vida.

Logo, as pessoas responsáveis por ensinar a ler e interpretar os textos, vídeos e os próprios eventos que passaram pela sua frente ao longo da sua vida, são as pessoas (depois das que te alimentaram na infância) mais importantes da sua jornada

Sejam eles escritores, diretores de cinema ou professores, essas pessoas que te prepararam para acumular e desenvolver repertório, são as pessoas que mais fizeram por você na sua vida. E, o maior bem que se pode fazer ao próximo é ensiná-lo a pescar.

Ou seja, ensiná-lo a interpretar os eventos da vida de forma construtiva e adquirir repertório a partir da experiência alheia lendo.

A leitura ensina o pensamento a trabalhar de forma encadeada e sistemática. Facilitando assim a construção de raciocínios com início, meio e fim, causa e consequência.

A leitura também ensina o pensamento a se manter ativo e com as ideias em suspenso para que possam construir imagens antecipatórias, portanto, deduções sobre os eventos que ainda não aconteceram, mas podem vir a acontecer.

Assim, quem te ensinou a ler, te ensinou também, de uma forma geral, a criar. A usar o pensamento de forma criativa, antecipando possibilidades de futuros e os repertórios necessários para lidar com eles.

Como você pode ver, a vida é massa e viver é muito legal!!!

Raul de Freitas Buchi