CONVERSAS PSICOLÓGICAS

Psicologia, indivíduo e sociedade

O amor é armadilha. Na forma em que o vivemos nos dias atuais, foi inventado junto com as redes sociais. Rápido, intenso, altamente aditivo e fugaz, parece uma dose de crack, em pouco tempo seu efeito intenso passa e o vazio retorna.

Mas, nem sempre ele foi assim. Da idade média, por volta do ano de 1200 até o início dos anos 70 do século passado, o amor era visto como algo quase sagrado. A tampa da panela, as almas gêmeas, o amor eterno, o encontro perfeito eram parte das imagens romantizadas do amor.

A tradução do romantismo era em média, feita pelo encontro em duas pessoas de sexos opostos, que se preenchiam mutuamente em seus desejos, fantasias, carências, objetivos, companheirismos, projetos, valores, modelos, ideias, submissões e gentilezas. E, com essa combinação perfeita e, absolutamente impossível na realidade, viveriam uma vida plena, lado a lado, enquanto a vida durasse e depois se encontrariam no céu para passarem a eternidade juntos ao lado de deus.

Reforçada pela literatura cavalheiresca nos primeiros 300 anos, foi gradativamente apropriada pela igreja e transformada em norma. O que na prática acontecia e ainda acontece, é que os casamentos eram arranjados, a mulher oprimida e submetida ao processo e o romantismo sensacionalista do amor, ficava marcado para a imaginação.

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Ocasionalmente, o encontro era tão intenso que o casal forçava um processo libertador. Mas, a realidade trazia baldes de roupas para serem lavados e crianças para serem criadas. E, homens, fracos como sempre são, fugiam em busca de um novo amor, largando o amor e seus frutos.

Então, tanto a visão contemporânea de amor, quanto a visão romântica do amor são um lixo de ser vivido. A contemporânea é absolutamente frustrante e reforça a sensação se solidão.

A visão romântica/religiosa transforma o amor em um caminho para o sofrimento: 1º É impossível encontrar alguém que preencha todos os critérios do amor; 2º Se por ventura essa pessoa é encontrada, olhe o tamanho do fardo de expectativas que ela terá que carregar por você e você por ela; 3º No fim, esse amor é sempre sofrimento, se você não encontra ninguém, sofre. Se encontra e o a pessoa não corresponde, sofre. Se encontra e a pessoa vai embora, sofre. E, se tudo der certo, vão viver 100 anos juntos, e um vai morrer primeiro e o outro vai ficar sofrendo, velho e sozinho.

Eu particularmente, gosto muito de ser casado. Estou no segundo casamento e muito feliz por aqui. Quem conhece a Carine, sabe que eu dei muito mais sorte do que ela nessa busca. Muito mais sorte! Mas, por enquanto, parece que ela não se deu conta da roubada em que está, então somos só sorrisos!! Hoje eu lembrei de tirar o lixo!!!!

O Sócrates, aquele filósofo grego, tinha uma visão mais realista do amor, ele sabia que é impossível depositar tudo o que precisamos e queremos em um único relacionamento. Ele sabia que isso era um fardo muito pesado para ser dividido com uma só pessoa.

Ele não era poligamista. Mas, organizava o entendimento do amor em 7 tipos diferentes: Filia, Eros, Katiros, Cumplicidade, Fraterno, Egoísta e Ágape. E, assim, cada relacionamento ficaria com uma responsabilidade específica.

O amor de Filia seria o amor da amizade, do companheirismo. Aquele amor que temos pelas pessoas com quem dividimos os bons momentos da vida, o amor com que temos coisas para rir e contar sobre as histórias vividas juntos.

O amor de Eros, é literalmente o amor erótico, o tesão. Aquele amor da química de pele, da paixão que vira fogo! Combina bem com a manifestação do amor nos tempos contemporâneos. Mas, para Sócrates, esse amor implicava na observação, na construção de um desejo na linha do tempo que, em algum momento explodiria com chamas altas como fogo na palha. E, não exatamente como hoje, onde as pessoas se transformam em descartáveis receptáculos de catarses sexuais descomprometidas.

O amor de Karitós é o amor de caridade. Aquele amor que temos por criaturas, seres e pessoas que, no momento do encontro estão em situação inferiores a nossa e, o nosso cuidado em direção a elas, pode elevá-las a um patamar melhor na existência. Ele cobre desde a pena que sentimos dos pobres até a pena que sentimos do parceiro quando ele chega cansado em casa. É o amor de doação para com o outro.

O amor de cumplicidade é o que eu acho o mais bonito. Esse é aquele amor que sentimos por pessoas que passaram por momentos difíceis juntos. Soldados que lutaram juntos na guerra, casais que superaram juntos problemas de saúde graves, longas dificuldades financeiras ou a criação de filhos complicados. É o laço indissolúvel criado entre as pessoas que juntas superaram as dificuldades da vida e que, mesmo que elas nunca mais se vejam, o laço de cumplicidade das experiências que tiveram juntos permanece.

O amor Fraterno é aquele que está presente nos laços familiares. É o amor de um pai por seus filhos, o amor entre irmãos, o amor dos filhos por seus pais. Um amor que implica na percepção de investimento de tempo, na percepção da gratidão pelo outro, na percepção de passagem de um tempo que leva a um crescimento mútuo. Esse amor engrandece ambas as partes e, a generosidade e a gratidão são os laços que mantém as relações. Lembra-se do passado, percebe-se o presente e imagina-se um futuro. Esse é o que gosto mais de sentir: ver os frutos daquilo que investi e ser o fruto de investimento de pessoas pelas quais tenho muita gratidão.

O amor egoísta é aquele que quer o amor de todos, o amor de quem quer ser amado e quer tudo para si. É o amor que gera ciúmes e inveja (mesmo que ambos seja tão diferentes). É o amor que quer seduzir, é o amor que quer controlar. E, apesar de parecer o amor doentio, ele é a força que tenta nos mover para o centro de nossos círculos relacionais, como os pinguins revezando no seu círculo durante o inverno ártico.

Por fim, o amor de Ágape, que é o amor de(os) deus(es) por todas as criaturas. É o amor do criador pela criação e pela criatura. É o amor do artista por sua obra, é o amor daquele que visualizou, planejou, projetou e vê sua criação se espalhando e crescendo. Não é o amor de um pai por um filho. Aqui, o criador está em sua criação, esse amor era exemplificado por Sócrates como o amor dos deuses pelos homens e o destino que tinham traçado para eles.

Quando tentamos viver um amor romântico/religioso, tentamos depositar em uma única pessoa todos esses tipos de amor. Esperamos que ela deposite sobre nós, todos esses tipos de amor. E, além de isso ser impossível, isso ainda é um fardo muito pesado.

Acho, particularmente que, um bom relacionamento deve ter pelo menos três desses amores e construir mais um na linha do tempo. Eros, como um bom brasileiro, eu acho fundamental, o tesão precisa estar presente e o prazer na cama precisa ser mútuo.

Mas ele precisa vir carregado de filia, de amizade. Precisar ser um convívio gostoso e, se possível, divertido, só possível nas relações de amizade. A vida é muito difícil e, se a parceria não consegue viver as dificuldades de forma leve e bem-humorada (não é ser bobo ou bestalhão), complementando a responsabilidade e compromisso, a vida fica muito pesada.

O amor fraterno, de investimento no crescimento mútuo é fundamental. Uma família não nasce em árvore, mas como uma, precisa ser semeada e cuidada. E o alimento é o investimento de atenção e cuidado.

Esses três tipos de amor, quando presentes, não precisam ser acompanhados dos demais. Caridade, ou doação excessiva, geram rancor e submissão e não funcionam em um relacionamento diário. Tire isso do seu casamento e afaste isso de sua família, vai ser bonzinho no centro de ajuda social.

Egoísmo é outra porcaria, ninguém de sua família deve girar a sua volta, você não pode querem ser o centro das atenções em um núcleo de convívio diário. Muita coisa acontece em um casamento para você ficar achando que é o ator principal de uma peça coletiva. Vá fazer teatro ou construir uma carreira de executivo.

O amor de ágape, de adoração da criação também é um atrapalho em um núcleo familiar. Tratar filhos como deuses tratam suas criações é o mesmo que se sentir um deus por ter um filho, isso é ridículo. Você não é mais, nem é especial por ser mãe e pai, por ser marido ou esposa. Leve sua adoração para a igreja ou para a floresta e conecte esse amor com seus deuses.

Por fim, o amor de cumplicidade. Ele vai fazer parte de um relacionamento a dois na medida em que o tempo passar. A cumplicidade virá com certeza. As dificuldades da vida construirão entre os relacionados os laços de cumplicidade inevitavelmente ao longo do tempo de convívio.

Raul de Freitas Buchi