CONVERSAS PSICOLÓGICAS

Psicologia, indivíduo e sociedade

Todo mundo passa pela vida e, como você deve ter lido em outros posts, aprende a solucionar os problemas, ou eventos da vida, desenvolvendo um repertório que, com maior ou menos assertividade, permite continuar tocando a vida.

Enfim, todo mundo tem alguma experiência e todo mundo tem alguma sabedoria frente a vida. Partindo desse pressuposto, simples e verdadeiro, todo mundo tem algo para ensinar. Todo mundo carrega dentro de si, um repertório que, de alguma forma, pode ser útil para outras pessoas.

A relação entre esse repertório e o ambiente pode ser avaliado pela assertividade: Quanto mais funcional o repertório, quanto melhores os resultados obtidos por esse conjunto de comportamentos, maior a assertividade. Então, quanto mais assertiva for a pessoa, melhor serão seus resultados.

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Um exemplo bastante simples e pessoal. Apesar de ser muito hábil para falar em público, inclusive para grandes plateias, sou tímido no trato pessoal e, pasme, pouco assertivo quando a relação exige informalidade. Ou seja, lido bem com plateias e com o espaço formal, mas em relações que exigem maior exposição emocional, meu repertório não ajuda.

Isso quer dizer que, de um lado, tenho habilidades que posso ensinar. Mas, de outro, tenho habilidade que preciso aprender. Como além de tímido, também sou introvertido, nunca me preocupei em superar minha timidez, meus livros e games me socorrem.

A palavra coaching significa treinamento e, coach, é o treinador. Encontramos bastante essa palavra em filmes americanos que retratam histórias desportivas (beisebol, basquetebol, etc.). Em geral, vemos a relação do jogador com seu treinador que, em filmes mais emocionais, transcende o espaço do esporte e passa para um treinamento para a vida.

Quando o treinador transfere seu conhecimento e experiência sobre o esporte para o seu jogador, ele está sendo um coaching. Quando essa relação transcende o jogo e o treinador passa para o jogador a sua experiência sobre a vida, ele também está sendo um coaching.

Fato é que, tendo em vista que, todos temos experiências sobre a vida que valem a pena de serem compartilhadas, todos temos a possibilidade de atuarmos como treinadores. Treinadores sobre assuntos específicos, treinadores sobre assuntos dos quais temos domínio.

Podemos também, transformar essa possibilidade de transmissão do conhecimento, em uma possibilidade de aumento do ganho financeiro, cobrando pelas horas de treinamento dado para outras pessoas.

Assim, temos um conhecimento, temos a possibilidade de transmiti-lo, e ainda por cima, ganhar um dinheiro sobre isso. Afinal, gastamos tempo, erros e acertos para desenvolver os nossos repertórios. Então, nada mais justo que ganhar um dinheiro com isso.

Pronto, fim da polêmica.

Sim, todo mundo pode ser coaching.

Até porque, apesar de todas as associações profissionais de coaching, essa atividade não é regulamentada nem protegida por nenhum país do mundo. Você não precisa se registrar em uma associação, conselho ou instituto para poder atuar como coaching.

Aliás, muito pelo contrário, se você é um palpiteiro, que vive dizendo aos outros como devem fazer as coisas e levar suas vidas, você poderia estar mais quieto e vender sua hora. Provavelmente, você realmente tem muito a oferecer para sua comunidade, mas não está sabendo reconhecer os pontos de demanda no mercado.

Treinamento não é psicologia. Treinamento não é psicoterapia. Mas, treinamento pode ser um processo terapêutico. O coaching pode oferecer determinadas soluções que tragam em si, soluções tais para realidade que permitam de forma direta o desafogo de angústias, sofrimentos, dores, e até depressões e ansiedade.

Com 18 anos de consultório de psicologia, vi isso acontecendo frequentemente.

Quase diariamente.

O paciente está em um processo terapêutico, com um foco, e com um objetivo. Mas, ao longo do processo, em um momento específico, ele surge com uma demanda sobre uma conversa que terá no dia seguinte com o gerente do banco. Uma situação que em nada tem relação com seu processo contratado. Mas, a demanda pode ser resolvida com o repertório que eu trago da minha experiência de vida.

Te garanto que, na faculdade de psicologia não aprendemos a resolver situações com o gerente do banco (seríamos muito, mas muito, mais ricos se assim fosse). Mas, aprendemos como organizar o conhecimento sobre o paciente para que, de forma mais funcional, possamos ajudá-lo a desenvolver seus repertórios.

Assim, nesse momento, nesse tipo de sessão, mais do que psicoterapia, fazemos um treinamento, um coaching sobre uma temática específica e urgente que, se bem solucionada, vai ter um efeito terapêutico sobre a vida do paciente. Por tanto, dentro de um processo de psicoterapia, seja ela cognitivo-comportamental ou qualquer outra linha de atuação do psicólogo, acabamos em alguns momentos atuando como treinadores.

Algumas técnicas da terapia cognitivo-comportamental recebem, inclusive, o nome de treinamento. Um exemplo muito funcional de uma técnica muito usada, diariamente usada, é o Treinamento assertivo”.

Essa técnica, esse treinamento, consiste no desenvolvimento de um repertório comportamental assertivo, eficiente frente a realidade. Muitas técnicas usadas em cursos de coaching, derivam de variações do treinamento assertivo. Inclusive, muitas ferramentas de auto-avaliação apresentadas nesses cursos, são construídas a partir de conceitos e ferramentas da terapia cognitivo-comportamental.

A terapia comportamental aplicada a processos educacionais de humanos deu um salto enorme durante a 1ª e 2º guerras mundiais. Precisava-se treinar milhares de soldados em pouquíssimo tempo. Precisava-se desenvolver comportamento encobertos (estado de espírito, ou características pessoais) como iniciativa, prontidão, responsabilidade e liderança. Também capacidades técnicas típicas de soldados: tiro, armas, marcha, táticas etc.

Esse coaching, esse treinamento de soldados é todo baseado em sistemas da terapia comportamental. As mesmas técnicas que estão sendo utilizadas com muito sucesso em muitos consultórios ao redor do mundo.

As técnicas da terapia cognitivo-comportamental também são amplamente utilizadas no ambiente escolar. Toda uma metodologia de abordagem da educação é baseada na relação entre os processos neurológicos e psicológicos como entendidos pela TCC. Então, nada mais é do que um treinamento, mais complexo, é verdade, mas um treinamento.

A questão fundamental nessa história é a crise econômica no Brasil. Ela retirou muito gente do mercado de trabalho. Muita gente ficou desempregada e precisou se “reinventar”. Nessa hora, a experiência trazida como bagagem da vida rapidamente se transformou em produto vendável. Coaching.

Mas, não há perigo. O psicólogo, e seu amor pelos livros, é insubstituível. A prática clínica da psicologia não é ameaçada pelos coaching´s, da mesma forma que não ameaçada por aplicativos e franquias.

A prática da psicologia é única, assim como a medicina. Ela pode sofrer determinadas adaptações referentes a sua contemporaneidade, mudar, adaptar-se. Mas, não pode ser substituída. O coaching também não é uma coisa passageira e existe a tanto tempo quanto existem pessoas no mundo.

Lidar com o ser humano em uma prática de desenvolvimento é uma atividade muito desgastante, mas muito prazerosa. Qualquer que seja o desenvolvimento que se almeje, essa prática é muito gostosa para o desenvolvedor, seja ele psicólogo, coaching (personal treiner, coaching, técnico, uber, 15 minutes diet, e tudo que virou meme na internet), psicanalista ou constelador familiar. Estar com o ser humano e vê-lo crescer é fantástico.

Eu, pelo menos, adoro!

Acompanho alguns treinadores e consteladores que conheço bem. Pessoas que passaram pelo meu consultório como paciente. Aprenderam a amar a relação de ajuda e a atividade de desenvolvimento do próximo. Alguns se formaram psicólogos e são consteladores incríveis, treinadores absolutamente cativantes e inspiradores. Outros, capacitaram-se de outras formas, cursos aqui e acolá, e, também fazem trabalhos onde conseguem mobilizar muitas pessoas e ajudá-las a se transformar.

Também acompanho psicanalistas, que hoje é uma profissão a parte da psicologia, muitos deles também psicólogos. Pessoas geniais e profissionais brilhantes.

Quando vejo ex-alunos criticando o coaching, criticando as constelações familiares entendo seu receio. Não é um medo da competição no mercado de trabalho, são trabalhos distintos, com fronteiras bem demarcadas pela própria demanda. Quando não são bem demarcadas, o tempo se encarrega de corrigir o exercício ilegal da profissão.

O medo é da banalização de determinados elementos que são absolutamente importantes e que devem ser cuidados com profissionalismo.

Mas, o diploma de psicólogo não garante esse profissionalismo. A ausência do diploma de psicologia não exclui esse profissionalismo. Essa atitude profissional deriva de uma ética pessoal. Ela deriva de uma capacidade de gerar, em si, empatia pelo próximo a ponto de resguardar sua intimidade e reconhecer os limites dessas relações.

 A identidade profissional fica arranhada quando o público confunde as coisas. Mas, sempre houve confusão entre psicologia e psiquiatria. Por um tempo vai haver confusão entre psicologia e outras relações de ajuda.

Na verdade, isso é um grande foda-se. Se você é bom no que faz e teu marketing corresponde ao que você entrega. Foda-se. Seja do caralho no seu trabalho e foda-se. Você só precisa se preocupar e se opor a novas tendências de mercado quando não está capaz de acompanhar par-a-par as mudanças oferecidas pela inovação.

Continuo não falando de se reinventar. Reinventar-se é uma outra bobagem. Nem sei direito ao que esse termo se refere. Vi muitas pessoas darem viradas fantásticas na carreira, mudanças de 180º, transformações. Talvez se reinventar, seja esse processo de mudança, quando ele acontece forçadamente depois de uma crise profissional qualquer. É isso né?

Quando eu digo que não é preciso temer a inovação, mas sim acompanhá-la, não me refiro a mudar, ou transformar-se, ou reinventar-se, qualquer outro clichê com tubarões e atuns. Refiro-me a executar o seu trabalho com competência, refiro a comunicar sua comunidade de que seu trabalho é bom. Então, fazer um marketing e entregar um bom produto.

Raul de Freitas Buchi