CONVERSAS PSICOLÓGICAS

Psicologia, indivíduo e sociedade

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Algo de fatídico nos condena ao fardo ou ao prêmio de sermos quem somos. E, caso você pense que é um fardo, você está funcionando errado. Mas, se pensa que é um prêmio, também não está lá muito bom da cabeça. Lembre-se, a vida simplesmente é, portanto, nem bom nem ruim.

Mas, forjamos os estados básicos de nosso funcionamento cognitivo quando somos criança, até uns 10 ou 12 anos de idade. Agregamos muitas coisas depois disso, mas o grosso do funcionamento cognitivo, que dará a base da nossa personalidade, é formado até os 12 anos de idade.

É importante que entendamos a personalidade como o conjunto de comportamentos (pensamentos, emoções e ações) que usamos para interagir com o mundo a nossa volta, e que, formarão um retrato daquilo que os outros acham que somos e daquilo que achamos que somos. Ou seja, a sua interação e como você é visto e como se vê a partir dessa interação.

Esses comportamentos são estruturados em uma rede de estruturas cognitivas que funcionam de forma mais ou menos automática. Não podemos dizer inconsciente, porque não é a melhor forma de descrevê-los, mas, poderíamos dizer pré-conscientes.

Para que seja mais fácil de entender, podemos pegar a escrita como exemplo. Aprendemos, em geral, a escrever por volta do 6 aos 8 anos de idade. Hoje, adulto, você não precisa mais pensar ou fazer um esforço muscular voluntário para desenhar a letra “a”. Mas, já existe uma espécie de comando ou programação que corre automaticamente e executa a ação da escrita. Essa programação sabe coisas extremamente elaboradas e que, se tivéssemos que pensar voluntariamente sobre elas, a tomada de decisão sobre a letra “a” seria muito lenta: posição na palavra, sonorização, contornos, pressão do lápis ou caneta, tamanho, as regras do letramento seguinte a letra, acentos e sinais de nasalização, crase e função sintática na frase.

Mas, mesmo com todo esse automatismo e relativo sucesso do processo (a crase é sempre um inferno), ainda assim, se você quiser assumir o controle do processo, você conseguirá, quase facilmente, tomar o controle sobre ele do início ao fim.

Com quase todos os comportamentos já aprendidos, temos processos similares, em geral mais elaborados e intrincados. E, da mesma forma, podemos assumir o controle sobre eles. A questão é que, de um modo geral, nossos comportamentos, adquiridos lá atrás, na infância, são funcionais até hoje em mais de 80% das situações. Ou seja, eles se aplicam na realidade atual da vida com bastante assertividade, levando ao sucesso ou a realização na maioria absoluta das situações. Podemos confiar em nossa estrutura cognitiva como podemos confiar no sustento de nossas pernas a cada passo.

Quando o comportamento não tem sucesso na realidade, quando é disfuncional, a maior probabilidade é que os processos cognitivos por traz do comportamento estejam distorcidos. Esses processos cognitivos que servem para desencadear os comportamentos (ações, emoções e pensamentos) que teremos no mundo também funcionam como um filtro através do qual lemos a realidade. Então, se nosso cognitivo está distorcido, tendemos a ler a realidade de forma distorcida e a responder ao ambiente de forma distorcida.

Muitas vezes essas distorções são graves o suficiente para geral um quadro de depressão ou ansiedade. Mas, a maior parte das vezes, isso só gera sofrimento. Existem padrões comuns a todos nós nessas distorções. Ou seja, tendemos a distorcer a realidade de forma mais ou menos igual. Então, tendemos a ter sofrimentos mais ou menos similares.

Veja uma tabela padronizada de distorções cognitivas e a explicação de cada uma.

  • Maneira de pensar tudo-ou-nada – Concepção, argumentação e julgamentos em termos absolutos, como “sempre”, “todos”, “nunca”, e “não há alternativa”.
  • Generalização Excessiva – Extrapolamento de experiências limitadas e provas para generalizações excessivas, ocorrendo no processo cognitivo um distanciamento da realidade.
  • Pensamento mágico – Expectativa de resultados determinados com base no desempenho de atos não relacionados ou pronunciamentos.
  • Filtro Mental – Incapacidade de ver tanto os aspectos positivos quanto os negativos de uma experiência.
  • Desqualificar o positivo – Desconsideração de experiências positivas por arbitrárias razões.
  • Tirar conclusões precipitadas – Chegar a conclusões (normalmente negativas) a partir de pouca (ou nenhuma) evidência. Dois subtipos específicos e comuns são também identificados:
    • Leitura mental – Senso cabal de acesso às intenções ou pensamentos de outras pessoas.
    • Leitura do futuro – Expectativas inflexíveis de como as coisas vão acontecer antes que elas aconteçam.
  • Ampliação e minimização – Ampliação ou minimização de uma memória, ou qualquer outro fato, de forma que já não corresponde à realidade objetiva. Existe um subtipo de ampliação:
    • Catastrofização – Incapacidade de prever outra coisa senão o pior resultado imaginável, porém improvável, ou considerando uma situação como insuportável ou impossível quando é apenas incômoda.
  • Raciocínio emocional – Vivenciamento da realidade como um reflexo de emoções, por exemplo, “Eu sinto, portanto, deve ser verdade.”
  • Imperativo tem- Padrões de pensamento que implicam a forma como comportamentos e situações tem que ser, ao invés de considerar a situação como as coisas são, gerando insatisfação, preconceitos e distorções de julgamento. Ou também ter regras rígidas nas quais a pessoa acredita que “sempre se aplicam” não importando as circunstâncias.
  • Personalização – Atribuição de responsabilidade pessoal (ou papel causal ou culpa) para os eventos sobre os quais uma pessoa não tem controle.

Agora, se eu repetir o primeiro parágrafo desse post, você consegue entender com mais clareza que, as coisas não são 8 ou 80. Ou seja, não se é um prêmio ou um fardo, mas um conjunto muito mais amplos de nuances entre um e outro.

Mudar o padrão de funcionamento para parar de ler o mundo e atuar nele através das distorções é uma tarefa árdua. Não recomendaria passar por esse processo sozinho, mesmo sendo um especialista. Assim como, não recomendaria que você mexesse nas linhas de comando do sistema operacional do seu computador por conta própria. Muitos site e blogs trazem ferramentas, manuais e técnicas para isso sozinho, mas em geral, não são funcionais.

Esses conceitos foram desenvolvidos dentro de um conjunto teórico da psicologia que engloba técnicas bastante eficazes e profundas de transformação. A Terapia Cognitiva não é uma ferramenta de auto-ajuda, apesar de, ao longo do processo, trazer bastante autonomia para seus pacientes. Muitos profissionais de coach e PNL se utilizam desses conceitos e de outras ferramentas terapêuticas da TCC. E, apesar de tudo, as técnicas parecem funcionar de forma mais ou menos esperada.

De qualquer forma, buscar um profissional qualificado é sempre a melhor escolha.

Raul de Freitas Buchi